sábado, 20 de junho de 2009

Cognição Visual



BREVE ANÁLISE DA COGNIÇÃO DA PESSOA COM AUTISMO E PORQUE O COMPUTADOR TEM UM PAPEL PREPONDERANTE NA EDUCAÇÃO DA PESSOA COM AUTISMO.

Valéria Llacer Bastos Ribeiro – MEd Special Education – Autism
E-mail: llacer@dh.com.br

Esta apresentação pretende realçar o estilo cognitivo e de aprendizagem no autismo e suas implicações para educar uma criança com autismo. A aplicação do computador com um kit multimídia em conjunto com uma abordagem cognitiva-comportamental como o TEACCH (Treatment and Education of autistic and related communication handicapped children), pode resultar em uma boa perspectiva na educação de crianças com autismo. O estudo faz referencia sobre como devem ser os softwares que são utilizados no processo educativo da criança e a importância do uso do teclado para facilitar a escrita e por conseqüência a melhora das habilidades de comunicação. Computadores como ferramenta educacional é uma experiência rica e valiosa que deve ser compartilhada com pais e educadores com o objetivo de ajudar a criança com autismo.
Palavras claves: autismo, cognição, computador, comunicação, habilidade visual.

Introdução: O que é autismo?

Desde Kanner até os nossos dias, o Autismo vem sendo atualizado constantemente no que concerne critérios de definição, avaliação e abordagens/ enfoques. Porém, na última década, o autismo tem se beneficiado de novas teorias e evidencias em busca de elementos concretos que iluminam e dão esperança a pais e profissionais dedicados a área.

Contudo, quando nos deparamos com algum estudo ou trabalho a ser apresentado, temos que definir alguns critérios que devem ser seguidos, critérios estes que residem nas definições hoje descritas no DSM – IV (1994) e no ICD 10 (1994).
Portanto de acordo com estes parâmetros podemos dizer que autismo é um transtorno geral ou abrangente do desenvolvimento, que tem o seu começo até os três anos de idade (existem casos de começos mais tardios – Wing, 1996; Volkmar et al., 1997), sem cura até o presente momento. A prevalência é de 4:1 de meninos em relação a meninas, e a incidência de acordo com os últimos estudos é de 1 para cada 250 recém – nascidos (Department of Developmental Service, 1999). Podemos também dizer que há um “continuum” (Grandin, 1995) ou um espectro (Wing, 1996) autista, de acordo com o autor, que varia da forma mais severa a mais branda ou leve, também descrita como autismo de bom desempenho. O critério de autismo de bom desempenho também pode ser considerado por alguns autores, Síndrome de Asperger (Attwood, 1998), porém a discussão ainda não está concluída em relação aos dois conceitos se relacionarem a mesma entidade ou não (Wing, 1986; Frith, 1991; Gillberg and Ehlers, 1998; Mesibov, Adams and Klinger, 1997).
Independente do grau de autismo encontra presente a “tríade de prejuízos” descrita por Wing (1996):
Ì PREJUÍZO NA INTERAÇÃO SOCIAL
Ì PREJUÍZO NA COMUNICAÇÃO
Ì PREJUÍZO NA IMAGINAÇÃO
Essas dificuldades atuam de maneira crucial no autismo. Reforçando: Os prejuízos estão diretamente ligados ao grau de autismo que o indivíduo apresenta – Quanto mais severo o grau de autismo, mais dificuldades a pessoa tem.
Outro conceito importante que deve ser focalizado em relação ao autismo é o déficit na Teoria da Mente, que representa a habilidade em reconhecer emoções, sentimentos, intenções em nós mesmos e nos outros. Falando literalmente, é a capacidade em “ler mentes”. Dr. Stuss e colegas (2001) fizeram uma importante descoberta, mostrando que uma região particular do cérebro, o lobo frontal, quando danificado, mostra uma inabilidade em reconhecer estados mentais ou desenvolver uma teoria da mente.
No campo do autismo, alguns estudiosos sustentam que a pessoa com autismo tem imensa dificuldade em reconhecer estados mentais (Frith, 1989; Baron – Cohen, 1995; Happé, 1995). Baron – Cohen (1996) chamou essa dificuldade de MINDBLINDNESS, que poderíamos traduzir como “cegueira mental”. A “mindblindness” pode ocorrer principalmente em função ou causada pelas dificuldades em interação social e comunicação (Baron – Cohen, Howlin, and Hadwin, 1999).
Além da teoria da mente, outra teoria psicobiológica apresenta dados importantes para o melhor entendimento do autismo: o déficit na Função Executiva (é o meio cognitivo usado para descrever comportamentos que são analisados e processados nos lóbulos frontais – Ozonoff, 1995). Comportamentos da função executiva incluem: planejamento, controle de impulsos, inibição de preponderantes, porém incorretas respostas, organização de ambientes, buscas e flexibilidade de pensamento e ação (Ozonoff, 1995).
Autismo e estilo cognitivo
Os problemas acima mencionados vão interferir de maneira importante na aprendizagem e na cognição em autismo. Alguns autores descrevem “um estilo cognitivo em autismo” (Jordan and Riding, 1995 e Tennant’s, 1988). Poderíamos dizer que a pessoa com autismo tem um modo diferente de aprender, organizar e processar as informações. Esse modo muitas vezes também tem que ser ensinado a pessoa com autismo. Se considerarmos a definição de inteligência de Gardner( 1994):
Ì CAPACIDADE DE RESOLVER OS PROBLEMAS DO DIA A DIA;
Ì CAPACIDADE DE GERAR PROBLEMAS A SEREM RESOLVIDOS;
Ì CAPACIDADE DE OFERECER OU FAZER ALGUMA COISA DE VALOR PARA A SUA PRÓPRIA CULTURA;
Podemos perceber que é exatamente o que devemos ensinar as nossas crianças com autismo para que tenham um bom desenvolvimento/ desempenho e sucesso em suas vidas (Greenspan and Wider, 1998).
Esse estilo cognitivo diferente do autismo reflete na maneira em como ensiná-los. Não se pode esquecer que grande parte das pessoas com autismo são “pensadores visuais” ou “visual thinkers” (Grandin, 1996, 1998; Sacks, 1995), ou seja, processam o pensamento em imagens, tem dificuldades em mudarem suas rotinas diárias, precisam de ambientes estruturados e organizados para aprender e têm uma falta de habilidade em percepção, compreensão e comunicação.
Isso nos faz pensar, quais estratégias devemos usar para facilitar a aprendizagem da pessoa com autismo. Temos que ser flexíveis e respeitar a maneira de pensar e aprender da pessoa com autismo (Jordan e Powell, 1995). Ser sectário em autismo é uma grande perda de tempo e é precioso começar o mais cedo possível (Harris, 1998).
Os programas ou abordagens que mais se adaptam ao autismo são modificação comportamental e teoria cognitiva (ou seja, que respeitam o grau de autismo da pessoa – Schopler, 1995; Schreibman, 2000), e também os apoios visuais (Hodgson, 1995).

Autismo e computadores

A ferramenta que se tem mostrado cada vez mais efetiva na educação de pessoas com autismo, é o COMPUTADOR.
Basicamente quatro aspectos sobre o uso do computador em educação especial são relevantes para o seu uso com autismo:
Ì Aumenta a habilidade de comunicação;
Ì Melhora a cognição;
Ì Ajuda nas atividades que envolvem coordenação motora. (Montoya, 2000).
Ì Pode também ajudar dentro da política educacional de inclusão em escolas regulares (Williams, 2001).
De acordo com Murray e Lesser (2001): “Computadores nos remete diretamente a ‘tríade de prejuízos’... Computador nos permite uma fácil maneira de reunir canais de atenção com um mínimo de mútuo desconforto (em relação à criança e ao educador/ professor), isto nos permite driblar algumas das dificuldades mais características dentro do espectro do autismo”. A maioria dos trabalhos existentes sobre autismo e computadores está vinculada a COMUNICAÇÃO (Emerson, 1996).
Além da Comunicação, o computador vem sendo usado em autismo para ajudar na aquisição de vocabulário ( Moore e Calvert, 2000), alfabetização, independente de a criança ser verbal ou não verbal, e assim como no processo de melhorar os déficits em interação social em crianças com autismo ( Bernard – Opitz e colegas, 2001).
Estudos feitos na Suécia por Heimann e Tjus (1996), entre vários outros autores, também demonstram a eficácia do uso do computador na aquisição de fala em crianças com autismo. Um dos exemplos é o uso do programa Fast For Word, desenvolvido por Tallal e colegas (1997) e que vem sendo utilizado com sucesso como um “programa de treinamento em linguagem”.
Sobre o uso de softwares/programas específicos em computador com crianças com autismo, é importante salientar que:
§ Normalmente os programas ou softwares são caros;
§ Sempre devemos pedir um cd rom demo, para ver se o programa atende as nossas expectativas.

O uso do computador torna-se importante exatamente por oferecer aspectos similares ou “a mesma maneira de pensar” que as condições do autismo impõe:
§ Como em autismo, também com o computador nós temos que “ensiná-lo” tudo (nós temos que instalar todos os programas necessários);
§ Computador tem um pensamento literal. Se eles não entendem o que você quer, quase sempre “congelam” (pessoas com autismo também demonstram uma ter uma forma de pensar literal);
As vantagens oferecidas por computadores na educação da pessoa com autismo são várias entre estas:
§ Ambiente estruturado,
§ Respostas previsíveis,
§ Organização visual,
§ Auxilio individual (1:1)

Para poder tirar o máximo proveito do uso do computador com crianças com autismo, de acordo com minha experiência, não se faz necessário softwares especiais, ou hardwares de última geração. O que se deve ter em mente é que o software deve ter ambientes (na tela) objetivos, lógicos, reais, sem muitos estímulos visuais, de preferência com bonecos, desenhos ou até mesmo fotos de figuras humanas, animais, ou de ambientes reais em geral.
Além disso, o mais importante é conhecer bem o aluno. Seus pontos fortes e os fracos, características de aprendizagem, talentos, habilidades, e com isso preparar um guia do seu trabalho com a criança. Ë importante lembrar que cada criança é uma criança, é o que pode funcionar bem com uma, ser justamente o oposto com a outra. Conforme mencionado anteriormente, o respeito pela maneira de aprender e pensar da criança com autismo é fundamental para o sucesso de qualquer abordagem educativa que se pretenda usar na educação da criança com autismo.
Em conclusão, como infelizmente, ainda não temos cura para o autismo, educação é o mais efetivo tratamento em autismo. Computadores são somente parte desse processo educativo, e não a solução.
Hoje, computadores são grandes parceiros no processo educativo da criança com autismo. Em minha opinião os computadores podem ajudar e muito neste processo se seguirmos algumas considerações básicas:
Þ Cuidado com o tipo de reforço que acompanha o software;
Þ Sempre use programas bem estruturados, de manejo claro, sem muitos estímulos visuais;
Þ Prestar atenção nas habilidades e dificuldades apresentadas pela criança;
Þ Respeitar o ritmo de aprendizagem da criança;
Þ Existe uma gama enorme de programas no mercado, nem sempre o mais caro é o melhor...
Þ Troque idéias com pais e outros educadores regularmente;
Þ Não queira ser um super pai/ mãe, nem um (a) super professor (a);
Þ Não espere milagres!
Þ Confie no seu trabalho!
Lembrando as palavras de um educador europeu: “No computer, no digital cameras, and no Internet could replace personal human contact, but the technology can provide an improved communication framework making it possible to establish a more successful mutual dialogue” (Hansen, 2000).

BIBLIOGRAFIA:

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2. Baron- Cohen, S.; Hadwin, J.; Howlin, P.; Hill, K. (1997) ¿Podemos Enseñar a Comprender Emociones, Creencias o Ficciones a Los Niños Autistas? In A. Riviere, J. Martos (eds) El Tratamiento del Autismo. Madrid: APNA.
3. Baron-Cohen, S. (1996) Mindblindness. London: The Mit Press.
4. Bernard-Opitz, V.; Sriram, N.; Nakhoda- Sapuan, S. ( 2001) Enhancing Social Problem Solving in Children With Autism and Normal Children Through Computer-Assisted Instruction. In JADD. Vol.31, 4, pp 377-384.
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