quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Asperger e bullying: associação perigosa


Para além de défices ao nível das competências sociais, estas criançastêm também dificuldades ao nível da comunicação, pois apesar de muitasvezes falarem de forma pomposa e fluente parecem ausentes do diálogo.


"Para elas, o mundo é estranho e desconcertante: as pessoas não dizemaquilo que pensam, dizem aquilo que não pensam, fazem comentáriostriviais e sem significado, aborrecem-se e perdem a paciência quandouma pessoa com síndrome de Asperger lhes refere centenas de factosfascinantes sobre horários, as inúmeras variedades de cenouras ou omovimento dos planetas. Também não entendem como é que as pessoasconseguem tolerar tantas luzes, sons, cheiros, texturas, paladares,sem se desnortearem, se preocupam tanto com a hierarquia social, têmrelações emocionais tão complicadas, conseguem utilizar e interpretartantas convenções sociais, são tão ilógicos."


Esta é a forma como Lorna Wing, a psiquiatra que usou pela primeiravez o termo síndrome de Asperger, caracteriza as pessoas com estasíndrome. Quem contacta diariamente com crianças com Aspergerconsidera que esta psiquiatra faz, de uma forma sintética, uma boacaracterização deste tipo de problemática. Apesar de, cognitivamente,apresentarem capacidades médias ou acima da média, ao nível dascompetências sociais os portadores de Asperger apresentam défices quelhes limitam seriamente a capacidade de interagir socialmente de umaforma gratificante. Para além de terem dificuldade em estabelecerdiálogo, têm tendência para fazer comentários inoportunos, "demasiadohonestos", que muitas vezes magoam os outros. A dificuldade emperceber sinais não verbais e expressões faciais que exprimemsentimentos é outra característica que os define e que dificulta oestabelecimento de relações sociais satisfatórias.


Para além de défices ao nível das competências sociais, estas criançastêm também dificuldades ao nível da comunicação, pois apesar de muitasvezes falarem de forma pomposa e fluente parecem ausentes do diálogo.A dificuldade em extrair o significado de metáforas e entoações levaas pessoas com quem interagem a questionarem as suas capacidadescognitivas. O facto de habitualmente apresentarem interessesobsessivos também não facilita a comunicação, uma vez que os outrosficam rapidamente cansados de ouvir constantemente falar em carros,comboios, planetas e outros temas pelos quais habitualmente seinteressam.


As dificuldades referidas levam a que estas crianças frequentemente seisolem ou sejam vítimas de abuso, nomeadamente bullying. Estes riscosexigem que sejam alvo de um acompanhamento muito próximo.


Ao abordar este tema, vêm-me imediatamente à memória os muitos casosde meninos com Asperger que vou acompanhando no SPO. O Jorge, porexemplo, que agora é aluno do 8.º ano de escolaridade, é acompanhadodesde o 5.º ano. Ao longo destes anos tem havido uma articulaçãoconstante entre o director de turma, os professores do conselho deturma e os pais do aluno em questão, pois é alvo constante de agressãopor parte dos colegas, alguns deles colegas novos que entram para aturma no início de cada ano lectivo. Sem intervenção e vigilânciapermanentes, o Jorge estaria certamente perdido neste mundo tãocomplexo, cheio de segundos sentidos e subtilezas.


O contacto com estas crianças, com quem habitualmente estabeleço umaexcelente relação, leva-me a concordar plenamente com a opinião deTony Attwood, psicólogo clínico especialista mundial em síndrome deAsperger, relativamente às capacidades e talentos dos portadores destasíndrome. A capacidade para estabelecerem relações de grande lealdade,o discurso isento de falsidades, a conversação objectiva e semmanipulação, a perspectiva original de resolução de problemas e aclareza de valores fazem deles pessoas muito especiais. Como diriaeste especialista, "Precisamos de pessoas com Asperger, uma vez quesão mais criativos do que a população em geral. A cura para o cancroserá provavelmente descoberta por alguém com Asperger!".


Bibliografia: Atwood, T. (1998), A Síndrome de Asperger: Um Guia para Pais eProfissionais, Editorial Verbo, Lisboa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário