O AUTISMO VISTO PELO CINEMA
Marcelo Bolshaw Gomes
Diz a lenda que, certa vez, pediram uma música a John Lenon: “Aquela que fala de amor”. Ao que respondeu o compositor: “Mas todas nossas canções falam de amor”. O mesmo acontece com o cinema, pois, quando tentamos lembrar dos filmes sobre comportamentos irracionais, pensamos que 'todos os filmes são sobre a loucura'. A loucura sempre foi um 'objeto' privilegiado do cinema. E de uma forma ambígua: ora como antagonista, ora como protagonista. Nos filmes favoráveis à racionalidade (geralmente de ação e romance), ela sempre foi o vilão e está associada à violência. A maldade é explicada como loucura e o herói é o homem racional. Nos filmes contrários à razão (frequentemente nas comédias de costumes), o louco é um anti-herói, um sábio às avessas, um artista incompreendido ou ainda uma forma satírica de crítica ao poder.
Filmes sobre o drama de ser louco são mais raros e bem mais recentes. Nos últimos 40 anos, no entanto, esses dramas não só se multiplicaram como também se especializaram em diferentes tipos de psicopatologia. Há filmes dramáticos sobre artistas esquizofrênicos, sobre assassinos psicopatas, sobre jovens psicóticos e rebeldes, sobre mulheres histéricas … e há filmes específicos sobre autismo.
Há uma primeira geração de filmes sobre o drama do autismo em que os portadores são representados de bastante forma caricatural, isto é, simplificada e bem distante da realidade. Rain man (1988); Forrest Gump, o contador de histórias (1994); e Código para o inferno (1998) – são três filmes que colaboraram muito para divulgar o autismo, embora de modo bem diferente de sua verdadeira realidade.
Rain man, além de ter sido sucesso de público e de crítica, foi também um marco revolucionário no sentido de divulgar e promover uma compreensão pública ampliada dos sintomas do comportamento autista e da possibilidade de convivência familiar com os portadores. O filme conta a história de Charlie Babbitt (Tom Cruise), um jovem boa vida que viaja a um hospital psiquiátrico para tentar descobrir quem é o beneficiário da fortuna que seu pai deixara ao falecer. Ao chegar ao hospital, Charlie descobre que o beneficiário é Raymond (Dustin Hoffman), um irmão mais velho autista de quem nunca ouvira falar. Para garantir o dinheiro da herança, Charles se aproxima de Raymond, disposto a brigar judicialmente pela guarda legal do irmão. Os dois então viajam pelos EUA, se conhecendo melhor, aprendendo a conviver e passando por inúmeras dificuldades juntos. Aos poucos, o laço de afeto entre os dois irmãos ganha força e o dinheiro deixa de ser importante. Levando-se em consideração o momento, o filme ensina a convivência com autismo e desmistifica o preconceito.
Um segundo passo será dado com o filme Forrest Gump, dirigido por Robert Zemeckis com Tom Hanks no papel-título. O filme narra quarenta anos da história dos Estados Unidos, vistos pelos olhos de um anti-herói autista que, por obra do acaso e de um modo meio cômico, consegue participar de momentos cruciais, como a Guerra do Vietnã e Watergate. Trata-se de uma poetização do autismo, que ressalta várias capacidades reais do autista (de viver com autonomia, de realização pessoal e profissional do portador por outros meios), mas romantiza demais sua vida.
Há ainda, nessa primeira geração do olhar cinematográfico sobre o autismo, o filme Código para o inferno. Nele o agente decadente do F.B.I Arthur Jeffries (Bruce Willis) tenta a todo custo defender da morte Simon Lynch (Miko Hughes), um menino de nove anos autista que código secreto e está sendo perseguido pelo governo americano. Apesar do enredo voltado para aventura e para o suspense, esse é, dos três filmes, o que apresenta mais elementos significativos (certamente é o filme que teve mais pesquisa) para compreensão do autismo, pois o desenvolvimento da trama depende da comunicação entre o agente Jeffries e o garoto Simon – o que passa para o público a real sensação de incapacidade autista. No entanto, em nenhum momento, o filme quis ou pretendeu dar uma solução definitiva a esse impasse pois sua proposta é a de mostrar o comportamento autista em um filme de aventura e não o de fazer um filme sobre as caraterísticas do autismo ou sobre as dificuldades de seus portadores.
Essa mesma estratégia (de colocar portadores de forma trivial em narrativas com outros focos) pode ser observada também em outros filmes recentes como Querido John, um drama romântico que incorpora o autismo com naturalidade ao cotidiano de seus personagens em segundo plano.
Filmes de autoajuda
Há também um segundo tipo de filme abordando o tema do autismo, mas interessado em focar um público mais próximo do comportamento. São filmes de autoajuda ou filmes pedagógicos. Por exemplo: Meu filho, meu mundo (Son-Rise, A miracle of love) de 1979, que conta a história autobiográfica da família que fundou o método Son-rise, após se confrontar com os tratamentos behaviouristas do autismo. Trata-se de um filme obrigatório no que diz respeito a alertar as famílias dos portadores contra os tratamentos comportamentais baseados em castigos e punições.
Também incluímos nessa categoria de autoajuda filmes mais leves, como Simples como amar (The other sister, 1999), em que, após se formar em uma escola especial, a portadora Carla Tate (Juliette Lewis), apesar de ser intelectualmente limitada, não quer voltar para casa de seus pais em São Francisco, planejando morar sozinha, ter uma vida independente e se libertar da presença da supercontroladora mãe (Diane Keaton), que a vigia de forma sufocante. Este desejo de autonomia aumenta quando Carla começa a namorar Danny McMann (Giovanni Ribisi), um jovem que, como ela, também é autista e já mora sozinho. É preciso dizer que a caricatura de supermãe feita por Diane Keaton desperta gostosas risadas dos portadores de comportamento autista e a fúria indignada de suas mães. E, é claro, o filme minimiza as dificuldades.
Outro filme importante de ser citado é Um certo olhar (Snow Cake, 2006). Alex (Alan Rickman) é um taciturno inglês que está no Canadá para se encontrar com a mãe de seu falecido filho. No caminho ele dá carona para Vivienne (Emily Hampshire), jovem que vai visitar a mãe. Na viagem um caminhão atinge o carro, matando Vivienne. Alex sai então à procura da mãe da jovem. Ao encontrá-la, descobre que ela (Sigourney Weaver) é autista. Linda não tem qualquer reação ao saber da tragédia, mas Alex decide ficar com ela até o funeral. É quando ele conhece Maggie (Carrie-Anne Moss), a vizinha com quem se envolve. Weaver está impecável como autista e de todos os filmes já citados, esse é o mais próximo da realidade.
Filmes especiais
E finalmente é preciso dizer que existem filmes especiais para pessoas especiais. E não simplesmente sobre pessoas especiais. Pode-se dizer que os primeiros filmes que tratavam o autismo de forma caricatural eram direcionados para o público não-autista, que a geração de filmes de autoajuda era voltada para consolar e orientar os pais, amigos e familiares próximos aos portadores; e que, apenas recentemente, o cinema passou a focar sua mensagem para os próprios autistas, ou melhor: para porção autista que há em todos nós.
Chocolate (Thai, 2008) é um desses filmes. Zin (Ammara Siripong) é uma integrante da máfia tailandesa que foi expulsa da organização após se envolver com um membro do alto escalão da Yakuza, Masashi (Hiroshi Abe). Ela engravida de Masashi e dá a luz a Zen (Yanin “Jeeja” Vismitananda), uma menina que nasceu com autismo, mas com uma incrível habilidade de aprender a lutar apenas com sua memória fotográfica. A primeira vista, esse breve enredo apenas contextualiza mais um filme de artes marciais, uma tragédia tailandesa, em que uma menina autista mata todo mundo e morre de apanhar no final - um terror para os pais e professores. No entanto, observando melhor se perceberá que a intenção principal do filme é demonstrar que a teimosia pode ser converter em treinamento. Atriz que faz a protagonista é realmente autista e realmente luta artes marciais sem dublê – como se pode ver nas tomadas após o final da estória. Os portadores de síndromes do espectro autista geralmente sofrem muito por não saberem se defender e ter acessos de raiva. A mensagem de Chocolate é: toda agressividade pode ser canalizada em objetivos, aprenda a se defender e não gaste energia.
A Menina no País das Maravilhas (Phoebe in Wonderland, 2009) é menos violento que Chocolate mas também vê o mundo a partir de uma perspectiva autista, levando o público a pensar e a sentir como se fosse um portador. Phoebe (Elle Fanning) é uma menina rejeitada pelos seus colegas de classe, que deseja mais do que tudo participar da peça de teatro da escola, Alice no País das Maravilhas. Phoebe tem a Síndrome de Tourette e toda narrativa segue a lógica da protagonista. Aliás, outra caraterística desta terceira geração do olhar cinematográfico sobre o autismo é que os filmes se especializaram ainda mais, enquadrando as diferentes síndromes do transtorno de comportamento. A síndrome de Asperger por ser a mais conhecida do espectro autista é a que rendeu mais filmes até o momento.
Loucos de Amor (Mozart and Whale, 2005) Donald Morton (Josh Hartnett) e Isabelle Sorenson (Radha Mitchell) sofrem da síndrome de Asperger, uma espécie de autismo que provoca disfunções emocionais. Donald trabalha como motorista de táxi, adora os pássaros e tem uma incomum habilidade em lidar com números. Ele gosta e precisa seguir um padrão em sua vida, para que possa levá-la de forma normal. Entretanto ao conhecer Isabelle em seu grupo de ajuda tudo muda em sua vida. O filme teve e tem uma importância significativa para muitos portadores da síndrome de Asperger, uma vez lhes dá um modelo e uma esperança de relacionamento. É que devido a dificuldade de se relacionar, a maioria dos aspies são extremamente sozinhos e imaturos, muitos nunca tiveram a oportunidade de experimentar um romance.
No entanto, nesse sentido, o melhor filme sobre Asperger já realizado é Adam (2009) dirigido por Max Mayer. Nele, rapaz solitário e programador brilhante (Hugh Dancy), portador da síndrome de Asperger, desenvolve uma romance com sua vizinha que é normal, a escritora Beth (Rose Byrne). O filme é tão fiel à realidade dos Aspergers, que muitas pessoas (no mundo todo) já se autodiagnosticaram após assisti-lo.
Há também Mary and Max (2009). Uma animação sobre a amizade através de cartas entre Mary - uma solitária menina de oito anos que vive no subúrbios de Melbourne; e Max - um portador de Asperger de 44 anos que vive em Nova Iorque. O filme segue o mesmo tom sarcástico e tragicômico caraterístico dos aspies, beirando o humor negro e a melancolia, procurando dizer coisas difíceis de modo engraçado. Na verdade, é uma estória bela e triste.
A atenção da mídia para o tema Asperger nos EUA hoje é bem forte: recentemente houve até um candidata aspie (Heather Kuzmichd) no reality-show America´s Next Top Model; e há atualmente vários seriados no ar (Bones, The Big Bang Theory e Regenesis) que têm personagens portadores da síndrome. No Brasil, no entanto, ainda reina a desinformação e o preconceito; há pouco espaço na mídia e esses filmes ainda não são de amplo conhecimento – daí a razão do presente texto, que sistematiza essas iniciativas e incentiva que se realizem outras.
Parabéns:
ResponderExcluirPelo seu lindo Blog informativo, direto e objetivo alem de ta arrumado.
Meu nome e Hermano esposo de Zelândia onde possuímos um Blog que fala muito sobre Autismo, pois nosso filho pode ser um Autista.
Faço o convite para conhecer o nosso Blog em
http://zelandiakassimiro.blogspot.com
Desde Agradecemos.
Adorei, meu nome é Sabrina, sou professora de alunos com autismo. E sempre procuro me informar sobre o assunto. obrigado.
ResponderExcluirParabéns pelo trabalho de vocês! Cada um fazendo sua parte fazemos a diferença. Também tenho um blog sobre educação especial/inclusiva e temas da área (deficiências: auditiva, visual, intelectual, física, múltipla, autismo, asperger, s. Down, altas habilidades etc) Há indicações de filmes na área com exibição de trailler, livros digitalizados que você pode ler, links diversos, biblioteca digital, indicações de universidades no Brasil e Exterior, reportagens, notícias, livros e artigos científicos, legislação específica e vídeos do you tu be. Se tiver um tempinho conheça, participe e siga o Blog (www.educacaoinclusiva-seo.blogspot.com). Um grande abraço, Sílvia Ester
ResponderExcluirMuito bom este blog.Tenho um sobrinho autista(Lucca) com 3 anos de idade, o qual amo muito.Estava procurando filmes para compreender melhor esta doença e poder ajudá-lo da melhor maneira possível.
ResponderExcluirObrigada.
Otimo texto, realmente me ajudou muito
ResponderExcluiramo cinema e sou professor e num mundo em que devemos lidar com todo tipo de pessoas, procurando me informar mais sobre o autismo encontrei esse texto. muito obrigadoo!
oi, sou vanessa, e ja assisti muitos filmes a respeito, e vim saber depois que meu filho de 3 anos é autista, o filme um certo olhar e rain man, relatam muito o comportamento autista, vale a pena assisir.
ResponderExcluirGostei muito deste blog, muito informativo e por me interessar muito por patologias acho muito importante este tipo de apoio. Parabéns!
ResponderExcluirObrigada! Trabalho lindo.
ResponderExcluirO meu Lorenzo de 4 anos também é autista!
É tenho muito orgulho dele 😍