segunda-feira, 6 de julho de 2009

CONSTRUINDO PONTES: MINHA HISTÓRIA




William Rice, em conferência de AUTISMO-99, onde se apresentaram autistas relatando suas experiências.

Desde o dia em que comecei minha vida escolar dei-me conta de que era diferente e fiquei dolorosamente consciente desta barreira invisível (ou como queiram chamar), que me separava dos demais, não importando o esforço que fizesse para unir-me. Meu isolamento social era evidente desde cedo. Desesperadamente queria unir-me aos outros mas sempre me encontrava só e perguntando-me por quê.

As dificuldades que tive para relacionar-me com os outros eram interpretadas pelos médicos como "é tímido, tem pouca segurança; não se preocupem, é uma fase, crescerá e mudará". Quando disse aos médicos e nutricionistas que só podia comer certas comidas pois minha língua era extremamente sensível, só encontrei descrédito. Disseram-me que estava passando uma fase e que mudaria. Cada ano que passava meus pais e eu fomos nos preocupando cada vez mais com meus problemas de socialização e com as limitações de minha alimentação.

Depois de 7 anos de relativa segurança na educação primária, a secundária foi uma experiência horrorosa. Diferenças entre mim e os demais, das quais já havia me dado conta desde que entrara no secundário, se converteram em diferenças insuperáveis.

A intimidação a que estive sujeito na escola primária imperou dramaticamente e me oprimia; cada noite chorava pensando no martírio psicológico que sabia que teria de suportar a cada dia. Durante a escola secundária meu tutor me enviou ao psicólogo escolar que, não só não escutava o que eu dizia mas me culpava de tudo o que acontecia.

Conforme se passaram os anos fui me deprimindo e assuntando cada vez mais, perdido e só, em um mundo que não podia me compreender. A secundária foi um inferno e me provocou uma grande depressão, com numerosos pensamentos de suicídio. Ajuda-me, rogava, ajuda-me!. A resposta foram os tranqüilizantes.

Tratando os sintomas mas, como sempre, ignorando a causa e evitando escutar o que dizia. Fui jogado num buraco negro do qual estava destinado a não escapar jamais. Prescreveram-me exercícios respiratórios, pensamentos positivos e relaxação. Tudo fracassou porque ninguém considerou o meu isolamento social. Sempre os sintomas, nunca a causa. Finalmente abandonei a escola com notas medianas, mas conseguidas com muito esforço pessoal.

Minha decisão final de ingressar em um curso de estudos financeiros no James Watt College, em Greenock, foi um ato de desespero. Sem amigos nem perspectivas de encontrar trabalho, continuamente atormentando-me por ser um fracasso, esses estudos eram minha última esperança.

Senti-me completamente alienado durante minha estada na universidade. Todos tinham suas vidas e eu não tinha nada. (...) Decidi suicidar-me e escrevi uma carta a meus pais explicando porquê. Mas até nisso falhei. (...) Contra todo prognóstico e sem ajuda de nenhuma ordem, consegui o título de Administrador Financeiro.

A partir de minha experiência, sinto que na passagem da Secundária para a Universidade poderia servir de ajuda, talvez, visitas prévias para conhecer as instalações, as classes, a cafeteria, a limpeza, etc. Um componente vital para qualquer tipo de apoio que se preveja é que a pessoa possa falar com alguém que lhe compreenda e possa lhe oferecer ajuda e conselho quando necessitar. O pior desses anos na Universidade foi o isolamento de meus companheiros.

(...) O filme "Rain Man", transmitido pela televisão um pouco antes de terminar a Universidade, deixou-me pensando se eu não seria autista. Foi como olhar para um espelho. Pude ver muito de mim em Dustin Hoffman: ao aborrecer-me quando algo que deveria ocorrer em um determinado momento não ocorria; parar na metade da rua quando o sinal verde trocava para vermelho. Disse a mim mesmo que minhas dificuldades não eram tão graves e que não poderia ser autista. (...) Li mais adiante sobre autismo e me dei conta então de que minhas dificuldades tinham uma explicação: autismo.

Os quatro anos seguintes entre a Universidade e meu diagnóstico foram um exercício de sobrevivência; numerosas entrevistas de trabalho foram frustradas. (...) Finalmente, em novembro de 1996, depois de meu 25º aniversário tive a resposta que esperava: era autista.

Sabia que tinha que reaprender tudo sobre mim mesmo. O mundo me pareceu diferente, qualquer coisa parecia possível. Pela primeira vez em anos, tive esperança. Com o diagnóstico vinha a promessa de respostas a muitas questões e a esperança de que com o correto apoio emocional e prático, seria capaz de ter uma Vida.

Minha mãe me perguntou o que era autismo e eu lhe disse um pouco do que sabia. Comecei a ler sobre Autismo e Síndrome de Asperger. Tive a confirmação de tudo o que já havia dito a todos os médicos que visitei. Este sentimento de renascer não durou muito. Este conhecimento novo começou a parecer-me uma sentença de morte.

O propósito de qualquer rede de ajuda deveria ser capacitar a todos os similares a mim a viver uma vida o mais plena possível. Qualquer grau de deterioração da socialização tem um efeito devastador na vida de um indivíduo. Requer um tremendo esforço para fazer qualquer progresso e tudo vem abaixo muito facilmente diante de qualquer contratempo. É vital que o diagnóstico de Autismo e Síndrome de Asperger se faça o mais cedo possível. Os problemas que surgem em médio e longo prazo podem prejudicar e levar a cabo uma estratégia.

Um diagnóstico logo quando se está na escola primária pode ajudar a se enfrentar certos problemas. Com minha trabalhadora de apoio Diana, comecei a saber como iniciar e manter uma conversação.

Comecei três conversações no dia seguinte e me senti como se houvesse escalado o Monte Everest com um piano nas costas. Isso é exatamente o esforço que representava para mim. Comecei a ir ao cinema, ao pub e a cantar karaokê, tudo o que requeria um esforço monumental. Evolui muitíssimo como pessoa desde que fui diagnosticado.

É de crucial importância para facilitar o contato social entre a pessoa autista e o grupo, que haja alguém que a acompanhe e a compreenda em sua primeira visita a um clube, por exemplo. Comecei a trabalhar voluntariamente com a Sociedade Nacional de Autistas de Glasgow em 1998. A principal motivação tem sido um desejo apaixonado de fazer todo o possível para enriquecer o conhecimento sobre a Síndrome de Asperger e o Autismo, com a esperança de que falando de minhas experiências, a qualidade de vida de todos nós autistas possa melhorar.

Quando se entra no mundo do trabalho competitivo é essencial que os empresários compreendam a natureza da Síndrome de Asperger. Durante o período formativo de meu emprego, tenho um colega que me ajuda a integrar-me no centro de trabalho, levando-me aos locais, apresentando-me às pessoas e a quem posso pedir ajuda, ajudando a reduzir consideravelmente a ansiedade que teria sem isso.

(...) Sinto-me agora mais "na onda", como os outros dizem, sem necessidade de ter que repetir-me e me vejo respondendo de maneira mais natural; uma mudança que muitos têm notado e comentado. Todos os que temos transtornos do tipo autista temos diferentes necessidades e por isso é vital escutar esses autistas e a suas famílias.

Todo tipo de apoio deve reconhecer que embora o autismo seja uma parte muito importante do que eu sou, não é tudo o que eu sou. Pais e profissionais deveriam reconhecer que não somente nós podemos aprender com eles mas eles também podem aprender muito conosco.

Trabalhando juntos, pais, profissionais e pessoas autistas têm um potencial de melhorar a qualidade de vida do indivíduo autista. Todos nós podemos ajudar a construir essas pontes.
William Rice é voluntário no National Autistic Society, Glasgow, Escócia // 1999-11-13.

Um comentário:

  1. Adorei seu blog,me adiciona no seu, vou add o seu ok?

    Parabéns pela luta.

    Ana, mãe de um menino asperger, 14 anos.

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